O sentido da cor roxa na Quaresma

Os símbolos e os sinais configuram boa parte das nossas ações e pensamentos. Entretanto, parece que muitos símbolos que usamos nas celebrações litúrgicas nem sempre são capazes de conduzir os fiéis à experiência de Deus. A razão disso pode ser porque minimizamos o valor dos símbolos ou porque tais símbolos já não são compreensíveis para boa parte daqueles que participam em nossas celebrações. Isso acontece também com as cores litúrgicas. Embora sejam vistas por muitos como um elemento decorativo nas igrejas, as cores têm uma função simbólica, ou seja, são sinais que expressam um sentido sacramental, próprio de cada tempo litúrgico, de cada celebração, de cada aspecto do mistério celebrado na liturgia.

Além de dar sentido à nossa visão, a experiência humana atribui diferentes significados às cores, relacionando-as com a morte, com a vida, com a fecundidade, com a festa, etc. Em cada cultura as cores são assimiladas com determinados significados. Assim, por exemplo, a cor preta que em muitas culturas é sinal de luto e de caos, em muitas regiões africanas, especialmente as desérticas, essa cor tem sentido de vida, pois é a cor do frescor da noite e das nuvens que trazem a chuva para fecundar a terra. Isso nos leva a valorizar as cores como um elemento importante na vida humana e, ao mesmo tempo, relativizá-las como expressão cultural.

Na Introdução Geral sobre o Missal Romano encontramos a finalidade do uso das cores na liturgia: “As diferentes cores das vestes sagradas visam manifestar externamente o caráter dos mistérios celebrados, e também a consciência de uma vida cristã que progride com o desenrolar do ano litúrgico” (IGMR 345). Podemos dizer que as cores possuem um sentido pedagógico do mistério celebrado e são sinais que demonstram que estamos celebrando com um sentido ou outro: festivo, penitencial, martirial, ordinário, etc.

Ao longo da história da Igreja, houve uma evolução e diversificação no uso das cores na liturgia nas diferentes dioceses. Foi com o papa Inocêncio III (1198-1216), com o tratado De sacro altares mysterio, que o uso das cores nas vestes sagradas começou a ter certa uniformidade. Inocêncio fixou as cores branca, vermelha, preta, verde e roxa como cores litúrgicas, dando-lhes significado com a vida de Cristo. Alguns séculos depois, o papa Pio V, assumiu essas cores no Missal Romano, promulgado no ano 1570.

A cor roxa, que já aparece na lei mosaica (Ex 28,15), foi considerada por muitos escritores litúrgicos, relacionada à cor preta e como seu equivalente. De fato, no Advento até a vigília do Natal, e na Quaresma até o Sábado Santo a cor preta foi utilizada por vários séculos como sinal de dor e abstinência pelos pecados. O bispo francês Guilherme Durando (1230-1296), na obra Rationale divinorum officiorum, recomenda o uso da cor roxa no lugar da cor preta. Para Durando, quando fazemos jejum, mortificamos nosso corpo “crucificando-o” de tal modo que alcançamos uma cor leve como a suavidade de Cristo que, sendo crucificado, curou nossas feridas. O roxo expressaria, então, a purificação, a suavidade que vai sendo assumida pela vida de penitência. No final do século XIX, o padre Antonio Lobera y Abio, publica uma obra que explica o uso da cor roxa em diferentes tempos litúrgicos. Para este sacerdote espanhol, a cor roxa na Quaresma significaria tribulação ou aflição, pois é um tempo de penitência e trabalho.

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O atual Missal Romano atribui à cor roxa um sentido penitencial na Quaresma (IGRM 347). Com isso, nos lembra e, ao mesmo tempo, expressa que estamos num tempo especial, num momento oportuno de conversão, vivenciado especialmente com humildade, dor e desejo. Humildade em reconhecer os nossos pecados; sentir a dor que o pecado causa em nós quando, não vivemos nosso compromisso batismal e rompemos a comunhão com Deus e com os irmãos; e desejar que a luz do Ressuscitado ilumine as sombras presentes na nossa existência. Nesse tempo quaresmal, a cor roxa nos leva a contemplar a suavidade do jugo e a leveza do peso que a cruz de Cristo tem sobre nossa vida, ou seja, do amor que se expressa até às últimas consequências. Afinal, o roxo não significa tristeza, mas seriedade. Seriedade na busca da maior verdade sobre nós revelada em Cristo Jesus: somos filhos de Deus!

Na Quaresma intensificamos a vida espiritual pelos meios que a Igreja nos propõe: o jejum, a oração e a esmola. Esse caminho penitencial traz de volta a leveza da vida – marcada muitas vezes pela ambição, pela autossuficiência e pelo egoísmo –, até que resplandeça sobre nós a luz do Ressuscitado, representada pelo branco da Páscoa.

Uma Quaresma abençoada para você.

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Padre Eguione Nogueira

Missionário claretiano, nasceu em Ceres-GO aos 15 de fevereiro de 1987. Ingressou no Seminário Menor da Congregação dos Missionários Claretianos em Pouso Alegre-MG no ano 2002, cursando o Ensino Médio. Entre os anos 2005 e 2007 cursou Filosofia nas Faculdades Claretianas de Batatais-SP. Fez o noviciado na cidade de Cochabamba-Bolívia, onde emitiu os Primeiros Votos Religiosos no ano 2009. Entre os anos 2009 e 2013 cursou Teologia no Studium Theologicum de Curitiba-PR, sendo que em 2011 fez uma experiência apostólica em Moçambique. Foi ordenado presbítero no ano 2014 e destinado a trabalhar na cidade de Contagem-MG como vigário paroquial e auxiliar de formação. Entre 2015 e 2017, estudou Teologia Pastoral na cidade de Madri. Permaneceu como pároco em nossa comunidade de 2019 a 2023. Atualmente é o Superior Provincial dos Missionários Claretianos no Brasil.

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