O Espírito Santo em nós: construtores de Babel ou testemunhas de Pentecostes?

Na celebração da Vigília Pascal nasce o novo tempo em que a Igreja, em renovada alegria, prolonga em várias semanas o mistério da Ressurreição. Os antigos denominavam esse tempo como “as sete semanas do Santo Pentecostes” (São Basílio), o “grande domingo” (Santo Atanásio), o “espaço gozoso” (Tertuliano). O Pentecostes é uma herança judaica, chamada de “Shawu’ot” ou “festa das semanas” (cf. Ex 19,1), que na sua origem era a festa dos agricultores que apresentavam num ritual as primícias da colheita. Logo será celebrada como festa da Lei e da Aliança. No Novo Testamento, os cinquenta dias do tempo pascal estão unidos à celebração dos quarenta dias da aparição do Ressuscitado até o quadragésimo dia com sua Ascensão, e o quinquagésimo dia, marcado pela vinda do Espírito Santo. Esse tempo litúrgico é caracterizado pela alegria, pois Jesus ressuscitado se faz presente na comunidade dos discípulos por meio do seu Espírito.

Na liturgia antiga, Pentecostes designava mais um tempo que um dia concreto. A festa de Pentecostes seria, nesse sentido, o dia em que se “completam os dias” de Pentecostes. Isso é mais claro no Evangelho de São João, em que os acontecimentos da Páscoa e Pentecostes não são isolados, mas estão unidos num único momento: o Espírito é simbolicamente derramado na cruz e dado aos discípulos no domingo de Páscoa (cf. Jo 20,19-23), sem necessidade de esperar transcorrer um espaço de tempo. O dia da Páscoa é o dia da efusão do Espírito Santo porque é um dia da glorificação de Jesus e da salvação escatológica para a Igreja nascente. Por isso, no tempo pascal lemos na liturgia os Atos dos Apóstolos, que são o Evangelho do Espírito Santo atuante na vida dos discípulos. A partir do século IV começou um processo de separação do tempo pascal. Em consequência disso, se acentuou o último dia como o momento para receber o dom do Espírito. É nesse período que aparece a Ascensão como uma festa litúrgica própria. Com isso, a Páscoa passou a ser vista como um tempo de preparação à festa de Pentecostes, assim como a Quaresma é a preparação da Páscoa. Mas a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II resgatou o sentido primitivo de Pentecostes.

O tempo pascal é o tempo do Espírito Santo. Isso significa que os cinquenta dias da Páscoa são um tempo de recebimento progressivo do Espírito, não um tempo de preparação para recebê-lo. A festa de Pentecostes é o final desse processo, cuja preparação imediata é a Vigília de Pentecostes. Mas, afinal, o que significa receber o Espírito Santo? Na experiência do relato de Pentecostes (At 2,1ss), os discípulos são testemunhas de um milagre que vai do plano exterior (um som como de um vento impetuoso enche a casa; línguas como de fogo que pousam sobre cada um deles…) ao interior (“e todos ficaram cheios do Espírito Santo” At 2,4). Em seguida, eles começaram a falar outras línguas, sinal de que o Espírito lhes deu um coração novo capaz de romper as barreiras que separam os homens uns dos outros: raças, cultura, sexo, classes… Esse acontecimento é de tal natureza que não pode ficar escondido: a notícia se difundiu a todas nações. O Espírito transborda as paredes do cenáculo e excede as dimensões do tempo e do espaço. Assim atua o Espírito em nós: Ele vem ao nosso encontro, no íntimo do nosso ser para nos impulsar a sair ao encontro dos demais. Mas Ele também atua de modo discreto, respeitoso aos tempos e às divergências humanas, como podemos ver no capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos, no chamado Concílio de Jerusalém, fazendo-se presente através de pessoas e instituições: “Decidimos, o Espírito Santo e nós…” (At 15,28). Duas características marcam a presença do Espírito Santo na Igreja: a universalidade e a unidade.

Em tempos de divisões de todo tipo (muros que se levantam, fronteiras que se fecham, ideologias que agridem e excluem), a presença do Espírito Santo é sinal de que o Pentecostes não é um acontecimento do passado, mas uma realidade divina que pode ser repetida em nós. Fomos criados para a unidade. Nossa missão é a de sermos capazes de abrir nosso coração ao maior número de “territórios estrangeiros”, num caminho de unidade. Mas, infelizmente, parece que estamos mais perto de Babel que de Pentecostes. Santo Agostinho dizia que “por culpa dos homens soberbos foram divididas as línguas; graças aos humildes apóstolos as línguas são reunificadas”. No nosso cenário sócio-político-econômico e até mesmo religioso, parece que há mais construtores de Babel que apóstolos em Pentecostes, mesmo estando no tempo do Espírito. Como nos lembra São Paulo: “Não extingais o Espírito…Examinai tudo. Retende o bem” (1Tes 5,19.21).

pentecostes

Passar de Babel para Pentecostes significa, na expressão de Teilhard de Chardin, “descentralizar-se nós mesmos e rescentralizar-se em Deus”. O maior sinal da presença do Espírito hoje não é o “falar em línguas”, a “glossolalia”, mas é o amor pela unidade (cf. 1Cor 12,31). Nesses dias que antecedem a festa do Espírito Santo, peçamos o dom da humildade capaz de aceitar o “outro”, diferente de nós, como um dom, não como uma ameaça; peçamos o dom da unidade que faz crescer em nós a harmonia dos corações. Não é por acaso que a Igreja é comparada a uma construção, a um edifício (cf. Ef 2,21-22). Cabe a nós, decidir que tipo de construção queremos que ela seja no mundo: de confusão, dispersão e rivalidade, acomodada dentro de suas paredes ou de harmonia, de unidade e de paz, comprometendo-se com a humanidade, muitas vezes dispersa, ferida e sem esperança. Necessitamos uma unidade feita não de uniformidade e de normas, mas de comunhão por meio Daquele que, distribuindo seus diversos carismas, quer submeter todas as coisas ao Pai por meio de Cristo.

Padre Eguione Nogueira, CMF

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Padre Eguione Nogueira

Missionário claretiano, nasceu em Ceres-GO aos 15 de fevereiro de 1987. Ingressou no Seminário Menor da Congregação dos Missionários Claretianos em Pouso Alegre-MG no ano 2002, cursando o Ensino Médio. Entre os anos 2005 e 2007 cursou Filosofia nas Faculdades Claretianas de Batatais-SP. Fez o noviciado na cidade de Cochabamba-Bolívia, onde emitiu os Primeiros Votos Religiosos no ano 2009. Entre os anos 2009 e 2013 cursou Teologia no Studium Theologicum de Curitiba-PR, sendo que em 2011 fez uma experiência apostólica em Moçambique. Foi ordenado presbítero no ano 2014 e destinado a trabalhar na cidade de Contagem-MG como vigário paroquial e auxiliar de formação. Entre 2015 e 2017, estudou Teologia Pastoral na cidade de Madri. Permaneceu como pároco em nossa comunidade de 2019 a 2023. Atualmente é o Superior Provincial dos Missionários Claretianos no Brasil.

2 Comments

  • Vera Reis

    Adorei sua reflexão.

    • 18:15 - 31/05/2017

  • Leonardo

    Ótimo texto. Diz muito de como nossa Igreja vem sendo “edificada”. Parabéns e obrigado!

    • 23:17 - 04/06/2017

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